O traço do arquiteto
Novas tendências da arquitetura buscam criar conexões entre moradores e humanizar empreendimentos imobiliários
Quem tem o hábito de caminhar pela cidade percebe que a paisagem muda velozmente. Nem sempre para melhor.
A linha do horizonte aos poucos vai se escondendo atrás de caixas de concreto que, muitas vezes, parece que despencaram de paraquedas para se alojar sem cerimônia entre os prédios mais antigos. É raro que exista diálogo ou harmonia entre o novo e o velho, entre a natureza e o concreto.
Menos mal que, em meio ao caos urbano, surgem novas tendências da arquitetura que se preocupam em humanizar os projetos imobiliários, criando conexões entre as pessoas e adequando as construções à escala e ao perfil do bairro em que irão se instalar.
A TRACE – Estratégias em Arquitetura é um dos escritórios antenados neste novo cenário. A proposta é integrar design, comunicação e ilustração gráfica em 3D para qualificar os empreendimentos do mercado imobiliário, principalmente das pequenas e médias construtoras.
– A ideia é alinhar essas diferentes áreas a uma visão estratégica e comercial que, de um lado, possibilite ampliar a competitividade e aumentar as vendas das incorporadoras e, de outra parte, impactar positivamente a experiência de compra do cliente final, afirma Rafael Veloso Lima, que abriu o escritório em agosto de 2017 com a sócia Crislaine Araújo.
Veja a seguir uma sequência de imagens do interior do escritório da TRACE, produzidas por Amanda Leal:
Um dos projetos mais emblemáticos dessa nova arquitetura que aos poucos se mostra à cidade é o Amélia 139, na Rua Amélia Teles, em Petrópolis, primeiro empreendimento da Oca Incorporadora Conceito, cuja estratégia de lançamento contou com a participação da TRACE.
A construtora convidou o artista visual Jotapê Pax para participar do evento de apresentação do projeto imobiliário, denominado Café e Arte Urbana no Amélia 139. Jotapê Pax desenhou grafites nos tapumes da obra, uma maneira de criar empatia com os moradores e incorporar um sopro de urbanidade ao empreendimento, segundo os arquitetos da TRACE, que sugeriram a iniciativa à Oca.
Além disso, foi criada durante o evento uma horta de temperos com a utilização de canos de PVC colados ao tapume e com furos para abrigar as plantas. De imediato, a horta foi adotada pela vizinhança, que passou a cuidar das plantinhas.
Os moradores de Petrópolis tiveram ainda a oportunidade de visualizar e interagir com o espaço interior dos apartamentos, em fase de construção, por meio de equipamentos de 3D. Para os responsáveis pelo escritório arquitetônico, a experiência da realidade virtual como estratégia comercial transforma a experiência do consumidor final. Por sinal, democratizar as ferramentas digitais na área da arquitetura é um dos objetivos da TRACE.
– Tudo isso foi pensado como estratégia de aproximação com os moradores do bairro e também como meio de ativar a cena criativa da cidade, afirma Cris. E acrescenta: – Acreditamos que os empreendimentos precisam gerar valor para o que está entorno do prédio em construção.
Nem sempre as orientações da TRACE ganham a adesão automática dos clientes. Ainda há resistências no mercado imobiliário quanto à aplicação de novas abordagens, como salienta Rafael:
– Em algumas ocasiões, é preciso romper conceitos arraigados. Existe ainda quem considere, por exemplo, o uso de ferramentas digitais como algo supérfluo no processo de venda.
Nos últimos anos, o mercado sofreu alterações estruturais importantes. Não faz muito tempo, as pessoas que buscavam adquirir um imóvel saiam pelas ruas atrás de placas que indicavam a oferta de casas ou apartamentos. Algumas se davam ao trabalho de bater à porta de imobiliárias para checar o estoque de imóveis disponíveis.
Com a internet, o comportamento do futuro comprador se alterou de modo radical. Ele agora obtém todas as informações de que necessita em sites, aplicativos e páginas das redes sociais da construtora ou imobiliária. Tudo isso exige uma abertura para novos horizontes.
– A maior parte dos clientes chega aqui com o projeto mais ou menos definido. A gente olha o público-alvo e tenta criar um conceito diferenciado e ao mesmo tempo adequado às especificidades do empreendimento, explica Cris.
Esse conceito será construído em conjunto com as incorporadoras durante uma sequência de reuniões que irão definir as estratégias de posicionamento e comercialização dos futuros empreendimentos. A metodologia vem dando certo. Em pouco mais de seis meses, a TRACE ganhou um portfólio apreciável, com clientes como Consplan, Lottici, Oficina conceito Incorporadora e Deboni, além da Oca.
Paradoxalmente, a crise econômica se revelou uma aliada das transformações do mercado. Frente às adversidades, as construtoras passaram a perceber que mudanças se faziam necessárias para qualificar os produtos e também para compreender os novos perfis de público ao qual se destinam os empreendimentos.
– Antes, era fácil vender até casinha de cachorro, brinca Rafael. Em seguida, fala sério: – Aí entra o papel que podemos desempenhar. Neste sentido, para nós a crise é positiva.
Não por acaso, TRACE, o nome da empresa, foi concebido com a intenção de sugerir e até estimular o impulso de traçar novos caminhos. Aliás, foi mais ou menos o que aconteceu com seus fundadores. Antes de abrir o escritório, Rafael e Cris eram autônomos e cada um trabalhava em suas residências, que eram próximas uma da outra, entre os bairros Santana e Farroupilha.
De vizinhos, passaram à condição de sócios ao compartilhar a casa de nº 490 na Rua Santana, que estava bastante degradada antes de ser integralmente reformada. Uma das características peculiares da construção restaurada são as aberturas envidraçadas que fazem fronteira com a parte dos fundos do terreno. Elas proporcionam uma iluminação especial ao ambiente de trabalho e, simultaneamente, uma visão acolhedora do quintal, cheio de árvores frutíferas.
Além de abrigar atividades do mercado imobiliário, a Casa TRACE – como a sede do escritório foi batizada – está aberta para receber eventos como a Feira Dada – Affordable Art Fair, uma exposição de quadros, esculturas e performances que se inspira no dadaísmo para escapar de academicismos e formalidades comuns ao universo das artes plásticas. A terceira edição foi montada na casinha da Rua Santana no início de dezembro de 2017, com a parceria do Café Josephynas, que saiu de sua sede na Rua João Telles para disponibilizar drinques e quitutes à moçada. Antes disso, o escritório havia sido palco de um workshop sobre design, tecnologia e inovação promovido pela Unisinos.
– A casa está aberta para a realização de eventos que promovam a cena criativa e cultural da cidade, conclui Cris.