Palácio do surfe
Castelo na zona sul da cidade será ponto de encontro de surfistas
Fica em frente ao Guaíba, cercado de área verde e com vista privilegiada do pôr do sol.
Conhecido como o Castelinho da Vila Assunção, o casarão de 15 peças espalhadas por dois andares e um subsolo é uma das relíquias arquitetônicas da cidade que ainda resiste à especulação imobiliária.
Atualmente, abriga a fábrica de pranchas de surfe Oric, que planeja transformá-lo num “complexo de bem-estar e vibe positiva” aberto ao público, como antecipa um dos sócios da empresa, Guilherme Paz.
A ideia é montar um showroom de pranchas junto a um estúdio de tatuagem e uma barbearia. Os planos incluem ainda a abertura de um restaurante natural, com saladas, arroz integral e suco de açaí no cardápio, além de uma ou outra cerveja, é claro, já que ninguém é de ferro.
– Se tudo der certo, o restaurante estará aberto a partir de março, planeja Guilherme.
Será disponibilizado ao público um “chimarródromo”, com água quente e erva mate à disposição, caso as parcerias em negociação cheguem a bom termo.
– Queremos que a casa seja um ponto de encontro não só de surfistas, mas também de quem corre ou anda de bike pela zona sul de Porto Alegre, acrescenta o sócio da Oric.
Ao longo do ano, o palácio situado na Avenida Guaíba, em frente à SAVA (Sociedade dos Amigos da Vila Assunção) estará aberto para a exibição dos jogos da Copa do Mundo de futebol da Rússia e, naturalmente, das principais competições do circuito internacional do surfe, como a WSL (Liga Mundial).
Cenário da Globo
O castelo de estilo alemão inaugurado em 1950 já foi atração de programas da Rede Globo, como o Globo Repórter e a minissérie Doce de Mãe, protagonizada por Fernanda Montenegro, com direção de Jorge Furtado e Ana Luíza Azevedo, da Casa de Cinema de Porto Alegre, que, aliás, ganhou o prêmio Emmy de Melhor Comédia em 2014.
Apareceu também em programas do SBT, como o Masbah, além de servir de cenário para ensaios fotográficos do mundo da moda. Em seus jardins, foi comemorado o centenário do Sport Club Internacional, em 2009.
Boa parte da história de quase sete décadas do palácio tem uma testemunha ocular – Zulmir Carlos da Silva, caseiro há 35 anos.
Conforme ele, quem morou a maior parte do tempo ali foi a família do engenheiro elétrico Odyr Heitor Thiesen, que presidiu a CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica) de 1960 a 1963.
Quando Odyr faleceu, em 1997, a esposa Persia Lizete, professora de piano, teria se trancado num quarto durante dois ou três dias para esconder sua tristeza.
– A gente até se assustou, porque não achava a dona Persia, recorda Zulmir.
Em 2012, a casa foi adquirida pela família de Guilherme, da Oric.
Fundo de quintal
Para Ciro Buarque, sócio de Guilherme, a ideia de abrir uma fábrica de pranchas surgiu em Gold Coast, cidade da costa oeste australiana, para onde ele viajou com um visto de seis meses com o objetivo de estudar inglês. Ao final das contas, ficou quatro anos, período em que se apaixonou pela prática do surfe e se tornou amigo de Jason Stevenson, criador da JS, uma das fábricas de pranchas mais influentes do planeta.
Até então, a experiência de Ciro com o surfe se limitava às incursões ao mar de Atlântida, litoral norte do RS, onde a avó tinha um apartamento.
Quando voltou a Porto Alegre, fundou a Buarque Surfeboards nos fundos de sua casa, na Rua Luís de Camões, no bairro Santo Antônio. Logo percebeu que o nome não combinava com a atmosfera do surfe. Já Oric, que é tão somente Ciro ao contrário, tem tudo a ver com os esportes radicais, afirma.
Os sócios são amigos desde quando estudavam na Escola Santa Rosa de Lima, no bairro Santana. Guilherme conta que quase embarcou com Ciro para a Oceania, mas desistiu na última hora para estudar Direito.
– Nós sempre tivemos afinidades, como o gosto pela tatuagem e o surfe, mas eu preferi naquele momento seguir a tradição da família, que é a de formar advogados.
O destino mudou quando Guilherme passava férias em Garopaba (SC) e teve a atenção chamada pelo filho Eduardo, que olhava para um grupo de crianças aprendendo surfe com instrutores no mar.
– Pai, compra uma prancha. Eu também quero aprender! – pediu o garoto.
De imediato, Guilherme lembrou-se do amigo que recentemente retornara da Austrália.
– Ele ainda estava começando o trabalho de produção. Tinha duas ou três pranchas prontas.
Para atender à solicitação do filho, Guilherme adquiriu um longboard (prancha recomendada para iniciantes) personalizado – ou melhor, duplamente personalizado. As bordas exaltavam a cor laranja, a predileta da criança, mas a palavra inscrita sobre o fundo cor de madeira era Sublime, nome de uma banda de ska punk e reggae de Long Beach, na Califórnia, uma das preferidas do advogado.
Quando a encomenda chegou, Guilherme não se conteve e posou para uma fotografia ao lado do filho e da prancha fincada na areia da praia. Ele relata que, naquele instante, o espírito do empreendedorismo se aproximou de seu ouvido e disse: “Vamos?”.
O rapaz atendeu ao chamado e largou a advocacia para se atirar de cabeça na oportunidade que se abria à sua frente.
– Quando recebi a prancha, percebi a qualidade e resolvi apostar e empreender. Trabalhava como advogado e sabia que minha família ia ficar contra, mas o amigo pilhou e seguimos adiante.
A princípio, de fato, os familiares de Guilherme não viram com bons olhos a escolha que ele havia feito, mas quando o negócio deu sinais de que iria prosperar a reação passou a ser positiva.
Quando a Oric iniciou suas atividades, em março de 2015, a produção mensal era de dez pranchas. Atualmente, a quantidade subiu para 70 e a projeção é a de fechar 2018 com a fabricação de 100 pranchas por mês.
A mudança dos fundos de quintal para o casarão se deu em dezembro de 2016, mas a inauguração oficial da nova sede só ocorreu em dezembro do ano passado. O palacete ainda está passando por reformas, que se concentram nas estruturas internas até porque a fachada não pode ser alterada, já que a edificação é tombada pelos órgãos de proteção ao patrimônio histórico.
Batismo no Havaí
Para não morrer na praia, a fábrica gaúcha fez algumas investidas de marketing para ganhar visibilidade nacional. A principal delas é a parceria com o surfista, ator e modelo Paulo Zulu, de 54 anos.
– Entramos em contato com a assessoria dele, que foi muito solícita e negociou um preço acessível. Por coincidência, Zulu estava indo para a Indonésia e levou duas pranchas nossas, que ele adorou. Depois disso, vestiu a camiseta da Oric, diz Guilherme.
A Oric investe também em jovens atletas, como Gustavo Borges, de 17 anos, natural de Torres (RS). O garoto já disputou provas do WQS (competição mundial que reúne surfistas mais novos), além de ter experimentado as ondas gigantescas do Havaí, batismo de fogo para quem deseja se tornar um ídolo do surfe.
Outra aposta é a paulista Pâmella Mel, de 12 anos, uma das maiores promessas do surfe brasileiro – veterana em competições, apesar da pouca idade, Pam (como é chamada) subiu ao pódio 114 vezes e ganhou 37 títulos.
A empresa firmou parceria também com surfistas amadores de Fernando de Noronha. Começou quando Tiago Telles, amigo dos sócios e hoje diretor-executivo da Oric, acrescentou uma prancha da fábrica gaúcha à decoração do restaurante de sushi que possuía no arquipélago. Tiago aceitou também mediar a doação de equipamentos para 12 praticantes locais do free surfe, modalidade não profissional do esporte.
– O mar de Fernando de Noronha é forte por causa das ondas oceânicas, por isso, é um bom teste para o produto, justifica Ciro.
Em breve, as experiências com ondas oceânicas serão decantadas e celebradas no palácio da Assunção, o novo point da galera do surfe em Porto Alegre.