Bikecaverna
Galpão com bar e oficina é o abrigo de ciclistas em Porto Alegre
Dizem que num passado remoto o galpão serviu de estrebaria para algum dono de propriedade próxima aos antigos Campos da Redenção.
Atualmente, em vez de cavalos, o galpão situado nos fundos do terreno da Avenida Venâncio Aires, nº 588 – no limite entre os bairros Cidade Baixa, Santana e Farroupilha –, apresenta um veado com um guidão em cima dos chifres desenhado junto às duas portas de abertura.
Uma delas abre para uma oficina de bicicletas. A outra é a entrada do bar. Ambas se complementam no ¡Dale!, o “casulo estratégico” em que se encontram grupos de bike e ciclistas avulsos vindos dos quatro cantos de Porto Alegre.
– Conhecia lugares que atendiam às pessoas que andam de bike, mas eu não me sentia suficientemente acolhida em nenhum deles, diz Juliana Beatrice, dona do bar aberto em agosto de 2017.
O acesso ao galpão se dá por um corredor externo, que margeia a casa vizinha, ocupada por uma loja de biquínis. Não há estacionamento para carros, apenas para bicicletas (cabem até 50 delas).
Os clientes do bar começam a chegar por volta das seis e meia da tarde, ocupando tanto o espaço interior quanto o pátio repleto de mesas e cadeiras. O horário de atendimento se estende até dez e meia da noite, de terça a sábado.
Grupos como Massa Critica, Pedal Zona Norte, Pedale como uma Guria e Associação dos Ciclistas de Porto Alegre usam o ¡Dale! como pit stop em meio às andanças pela cidade ou preferem aparecer ao final do deslocamento para comer e beber.
O local está aberto a iniciativas como as oficinas de mecânica emergencial para mulheres, que ensinam macetes para que a bike se transforme numa ferramenta de autonomia feminina, de acordo com Fernanda Stern e Tássia Furtado, responsáveis pelas aulas realizadas no final de janeiro.
O nome do espaço remete à gíria dos que gostam de pedalar. Como toda a gíria, tem múltiplos significados, mas talvez o mais constante deles seja "fazer algo", como sugere Juliana:
– Vamo dale! quer dizer simplesmente vamos fazer isso ou aquilo, conforme a situação, explica Juliana, sem muita paciência para se alongar no assunto.
Lá dentro, uma roda de bicicleta separa o bar da oficina pilotada pelo mecânico Gustavo Silveira, que abre ao meio dia e funciona até as dez horas da noite.
O cenário interno obedece a certas prerrogativas, como fazer com que as pessoas se sintam num ambiente aberto, quase como se estivessem na rua. Afinal, a rua é o território de quem utiliza a bike como modo de vida ou simplesmente meio de locomoção.
Neste sentido, a escolha por um galpão de pé direito alto atende ao objetivo previamente estabelecido.
Além disso, a decoração busca a simplicidade absoluta e é toda ela feita de material reciclado. O balcão, por exemplo, em algum tempo distante foi uma coifa industrial. Já os bancos são pallets adaptados, ao passo que correias de bicicletas se transformam em luminárias e cinzeiros.
Nas paredes, as bikes penduradas complementam a decoração concebida pelos arquitetos Alex Pedretti e Florence Acosta e montada pela própria dona do bar.
Uma lojinha com roupas, mochilas e acessórios para bikes ocupa um cantinho do galpão. A exemplo da decoração, oferece só peças feitas com material reciclado.
Uma das atrações do ¡Dale! é o Bike Rolo, equipamento originalmente usado para treinamento de ciclistas que também é aplicado para competições. Como funciona?
Duas pessoas pedalam sem sair do lugar, produzindo uma energia que passa por um gerador e conduz eletricidade para que lâmpadas se acendam num painel de acordo com o desempenho de cada uma. É uma “corrida” de tiro curto. Ganha quem atingir primeiro a marca equivalente a 250 metros.
O Bike Rolo foi engendrado por estudantes do curso de Engenharia da UFRGS que gostam de pedalar.
– Quando sugeri, toparam na hora. Não existe equipamento igual a este no Brasil, garante Juliana.
As competições “oficiais” são realizadas uma vez por mês, mas o "brinquedo" (como o dispositivo é chamado por todo mundo no bar) está disponível para os clientes a qualquer momento.
Mais que um instrumento de lazer, porém, o Bike Rolo é uma forma de produzir energia sustentável. No momento, é apenas autossustentável, mas a intenção é que no futuro possa gerar a energia necessária para manter em funcionamento o bar inteiro, embora Juliana reconheça as dificuldades de materializar o projeto:
– O processo de produzir e armazenar energia é bem mais difícil do que imaginávamos no primeiro momento, mas a intenção não está descartada. Um dia a gente chega lá.
Por ora, o mais importante é mostrar através do suor no rosto dos competidores o quão difícil é gerar energia e, por essa razão, como é importante não desperdiçá-la.
Faltou dizer que o cardápio do ¡Dale! é inteiramente vegano, o que não exclui opções de junkie food como fritas, pastéis e burgers.
– Vegano não significa saudável, apenas que não tem origem animal, esclarece a proprietária do bar, ela própria vegetariana, além de formada em Gastronomia.
Um dos pratos mais requisitados é a batata assada e depois frita, acompanhada de chilli e cheddar. Outra opção é o pastel com recheio de guisadinho de soja. Vale a pena experimentar também o burger de aipim.
O ¡Dale! segue uma tendência cada vez mais atual de proporcionar autonomia ao cliente na hora do atendimento. Não há garçom à disposição: a pessoa pede a comida que deseja e retira o prato diretamente no balcão, Há um local reservado para deixar a louça suja.
– O atendimento é feito com bom senso e carinho, afirma Juliana. Em seguida, ela acrescenta: – Eu sempre considerei um pouco agressiva a ideia de que alguém precise estar disponível para servir ou limpar a sujeira dos outros. Aqui, a pessoa que trabalha tem a mesma liberdade do cliente. Essa é uma bodega em que todo mundo colabora de alguma maneira.