Retratos com alma
Como um cronista da cidade, Ricardo Stricher mostra a beleza invisível na paisagem cotidiana de porto alegre
Ricardo Stricher, 64 anos – “Me sinto um guri”, diz – é um cronista fotográfico de Porto Alegre.
A trajetória profissional de mais de quatro décadas inclui imagens publicadas em jornais como Zero Hora, O Globo e Jornal do Bom Fim (já extinto), além de 38 anos no setor de fotografia da prefeitura da Capital como servidor público. Aposentado há cinco anos, continua colaborando com publicações a exemplo do Já, além de militar nas redes sociais, onde atualiza diariamente seus registros fotográficos sobre cenários e personagens da cidade, sem usar filtros ou flash, preferindo a luz natural.
Filho do jornalista Melchíades Stricher, ele frequentava de calças curtas a redação do Diário de Notícias, jornal que circulou em Porto Alegre até 1979, com especial predileção pelo laboratório de fotografia, o que não passou desapercebido pelo pai. Aos 14 anos, ganhou uma câmera Kodak Instamatic. Ao ver que o adolescente não largava a câmera, Melchíades presenteou o filho com um modelo da Olympus que dobrava o quadro, possibilitando que um filme com 36 poses rendesse 72 fotografias.
— Batia o filme e entregava para o pai, que levava para o laboratório do Diário de Notícias e voltava com as provas de contato — recorda Stricher.
Além de trabalhar em jornais, a exemplo do pai, Stricher também atuou como fotógrafo de cena de cinema e teatro. Essa faceta surgiu um tanto por acaso. Certo dia, ao sair da fisioterapia – “Estava com o pé meio xarope”, explica –, viu a oferta de duas latas de rolos de filme de 16mm na vitrine de uma loja da Avenida Salgado Filho, no Centro da Capital, que totalizavam seis horas de gravação.
— Olhei aquelas duas pizzas gigantescas e perguntei quanto custavam. Como eram filmes que perderiam o prazo de validade em breve, estavam em promoção. Comprei com as poucas notas de dinheiro que tinha no bolso — conta ele.
Em seguida, desceu a Doutor Flores para mostrar a novidade aos amigos que ocupavam uma mesa cativa do Chalé da Praça 15.
O tradicional restaurante era ponto de encontro de uma turma da qual faziam parte o fotógrafo Maurecy Santos, o artista plástico Salomão Scliar, o cantor Ademar Silvio e o jornalista Kenny Braga, entre tantos outros.
— O Chalé reservava aquela mesa para nós, a partir das seis da tarde. Bebíamos quatro ou cinco garrafas de uísque por noite — descreve ele.
Entre uma dose e outra on the rocks, os amigos resolveram dar inicio à produção de curtas-metragens para exibição no Festival de Gramado.
Algum tempo depois, Stricher passou a ser requisitado para registrar também ensaios e apresentações de teatro. A experiência de eternizar as cenas em sets de filmagem ou no palco ajudou a aguçar o olhar do fotógrafo:
— Não é só chegar e sair fotografando. Tem que sentir qual é o ponto culminante da cena, aquele momento em que ela fica mais harmoniosa — ensina. A seguir, detalha: — Tudo acontece numa fração de segundo e, se a pessoa perder aquele instante, ele não volta mais. Aí a foto já era — garante ele, com conhecimento de causa.
Quando sai por aí para fotografar recantos, ruas e pessoas ou registrar shows em teatros ou bares de Porto Alegre, essa capacidade intuitiva de se esgueirar por entre milésimos de segundo é bastante útil. Ela ajuda a ter paciência e atenção para clicar no instante exato de trazer à tona a beleza que está invisível na paisagem cotidiana.
É como se fotografasse a alma da cidade.
— O olhar do fotógrafo mostra aquilo que as pessoas não veem, apesar de passarem por aqueles lugares todos os dias — afirma Stricher. Em seguida, defende que é necessário somar esforços para preservar a memória de Porto Alegre: — E eu me considero capaz de fazer isso — assegura.
Na carreira profissional, ele contabiliza 17 exposições individuais (sem falar em dezenas de mostras coletivas) e um livro publicado – Porto Alegre Invisível, editado pela Libretos, em 2012, que reúne 70 imagens da Capital –, além de um Prêmio ARI de Fotografia, em 2013.
Afora Porto Alegre, outra inspiração que move esse cronista fotográfico é a filha Lavínia, de 14 anos, que, sempre quando pode, acompanha o pai nas andanças para registrar cenas da cidade.
— Ela é muito parceira e inteligente demais. Os filhos são um presente do Velho lá de cima. Estão aqui para nos ensinar a amar incondicionalmente.