Cinema no Museu

Mostra de filmes sobre a história musical da cidade celebra semana de porto alegre no Museu Joaquim Felizardo 

Museu abrigado no Solar Lopo Gonçalves, na Cidade Baixa: espaço aberto para a cena cultural (Fotos/Divulgação)

Museu abrigado no Solar Lopo Gonçalves, na Cidade Baixa: espaço aberto para a cena cultural (Fotos/Divulgação)

Cinema, música e bate-papo num cenário histórico e em contato com a natureza.

É o projeto Cinema no Museu – História da Cultura Musical na Cidade, com o qual o Museu Joaquim Felizardo vai celebrar a Semana de Porto Alegre a partir da quarta-feira, 21 de março. Serão três noites com a exibição de filmes sobre a música popular do Sul do País seguida de debates com a participação de músicos, diretores e personagens envolvidos na produção dos trabalhos audiovisuais.

– É a oportunidade de aproveitarmos o espaço de forma criativa, dialogando com a cena cultural no momento em que se comemora o aniversário da cidade, diz a historiadora Letícia Bauer, diretora do Museu.

A curadoria é de Arthur de Faria, Marcello Campos e Paulo César Teixeira. As sessões acontecem nos dias 21, 23 e 25 de março, às 19h, com entrada franca.

O projeto abre com a exibição do curta-metragem Amigo Lupi, de Beto Rodrigues, de 1992, que traz à tela o relato de personagens com os quais Lupicinio Rodrigues conviveu intensamente, como a cantora Lurdes Rodrigues e o dublê de intérprete e boxeador Johnson. No Festival de Cinema de Gramado de 1993, Amigo Lupi ganhou o prêmio de Melhor Montagem (feita por Vera Freire) de curta-metragem de 16 mm.

– Mais que o maior compositor popular gaúcho e um emblema da boemia porto-alegrense, Lupicinio Rodrigues é a síntese de uma cidade extinta, mas que persiste num universo paralelo chamado memória, anota o curador Marcello Campos.

A sessão de quarta-feira terá como complemento o média-metragem Túlio Piva – Pandeiro de Prata, de Marco Martins, lançado em 2017, com depoimentos de Nelson Coelho de Castro, Eneida Martins, Kenny Braga e Claudinho Pereira.

No intervalo entre os filmes, Marcello Campos e Arthur de Faria irão conversar com o público a respeito da obra dos dois principais sambistas gaúchos, bate-papo que será ilustrado com canjas musicais a cargo de dois artistas da nova geração, o violonista e compositor Mathias Sete Cordas e o cantor Álvaro Rosa Costa.

Mais Uma Canção

Bebeto Alves, uma das principais referências da canção popular produzida no Rio Grande do Sul nas últimas décadas, é outro destaque da mostra com o longa-metragem Mais Uma Canção, de René Goya Filho e Alexandre Derlam, que será apresentado na sexta-feira, dia 23.

É verdade que o desejo de ser músico já havia se desenhado em Uruguaiana, quando o garoto de 13 anos cantava e tocava guitarra nos bailinhos animados pelas bandas Os Zumbis e Hi-Fi na fronteira com a Argentina e o Uruguai. Mas as oportunidades de consolidar a carreira profissional surgiram mesmo depois que, aos 16 anos, Bebeto se mudou com a mãe e três irmãos para Porto Alegre.

– Por ser uma cidade maior, onde a informação circula com mais rapidez, aqui pude solidificar a ideia de me apropriar da linguagem musical.

Em 1974, Bebeto fundou o Utopia, com Ricardo (violino) e Ronald Frota (violão), trio que encantou o circuito alternativo da capital gaúcha com a fusão do rock psicodélico e das raízes regionais.

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Nas pegadas das minhas botas

Trago as ruas de Porto Alegre

E na cidade de meus versos

O sonho dos meus amigos

(Pegadas, de Bebeto Alves, 1987)

(Foto Simone Schlindwein) 

A carreira solo foi impulsionada com a participação no LP Paralelo 30, coletânea produzida em 1978 por Juarez Fonseca com a presença ainda de Nelson Coelho de Castro, Carlinhos Hartlieb, Raul Ellwanger, Nando d’ávila e Cláudio Vera Cruz.

Depois, entre idas e vindas, com passagens por São Paulo e Rio de Janeiro, Bebeto construiu uma obra com cerca de duas dezenas de discos a partir de identidades e embates com o ambiente cultural e a cena criativa de Porto Alegre.

– Eu me sinto feliz de ter produzido algo que identifique a cidade no cenário nacional, afirma. Em seguida, complementa: – Ao mesmo tempo, estou consciente de que existem tendências conservadoras que nos colocam em situações constrangedoras e que se voltam contra nós em vários momentos.

Como resultado, apesar da efervescência do caldeirão cultural do Sul do País, não foi possível ainda desenvolver um mercado regional para as diferentes áreas artísticas com força suficiente para se estabelecer como algo relevante em nível nacional, a exemplo do que fizeram outros centros, como a Bahia, acrescenta ele.

Além de reconstituir a trajetória do cantor e compositor, Mais Uma Canção debate o descompasso entre música periférica e mainstream e ainda conduz o espectador a uma viagem da Península Ibérica até o norte da África em busca das raízes islâmicas da milonga.

Junto com Bebeto, o diretor René Goya Filho estará presente na apresentação do filme no Museu.

Lado B

A sonoridade das bandas porto-alegrenses do final do século 20 embalaram os sonhos juvenis do cineasta Boca Migotto, natural de Carlos Barbosa, na serra gaúcha.

– Quando cheguei a Porto Alegre, a música me jogou diretamente no Bom Fim. O que vivi logo a seguir – teatro, cinema e festas – estava permeado pela trilha sonora da época, relembra.

Não à toa, o movimento que gerou as bandas de rock dos anos 1980 é um dos ingredientes do longa-metragem Filme Sobre Um Bom Fim, de 2015, que Boca dirigiu e será apresentado na última sessão do Cinema no Museu – História da Cultura Musical na Cidade, no domingo, 25/3.

Desta vez, a projeção será feita no pátio do Museu, como complemento da programação do Picnic Cultural, que abrange gastronomia e shows musicais. A sessão terá a participação do diretor e, como convidado, do também cineasta e músico Carlos Gerbase, um dos fundadores da banda Replicantes.

Nei Lisboa, em Filme Sobre Um Bom Fim (Foto Bruno Polidoro/Divulgação)

Nei Lisboa, em Filme Sobre Um Bom Fim (Foto Bruno Polidoro/Divulgação)

A diretora musical Paola Oliveira precisou usar muita criatividade e todo o conhecimento que possui no meio artístico para elaborar a trilha do documentário, que tinha orçamento apertado – antes da finalização do filme, os produtores contavam apenas com R$ 80 mil, obtidos por meio do Fumproarte (Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre), 

– A gente aproveitou material de autores que não cobravam ou cobravam pouco para ceder os direitos das canções, o que trouxe dificuldades, mas também fez com que fugíssemos de clichês e encontrássemos o lado B daquele período, revela Boca. 

Nas sessões de sexta-feira e domingo, haverá também a exibição de capítulos da série Porto Alegre – 100 Anos de Música – respectivamente, Aquela Música que Não Tem Nome e O Maldito Rock Gaúcho.

Com direção de René Goya Filho e roteiro de Daniel Dode, a série produzida originalmente para a TVE/RS sintetiza em capítulos de 24min o  trabalho de pesquisa de Arthur de Faria sobre um século de música na capital gaúcha, que acumula mais de 1,2 mil páginas.

 

Cinema no Museu – História da Cultura Musical na Cidade

Curadores: Arthur de Faria, Marcello Campos e Paulo César Teixeira

Local: Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo

Endereço: João Alfredo, 582 – Cidade Baixa

21/03 – Quarta-feira

19h – Filmes: “Amigo Lupi” (17min) e “Túlio Piva – Pandeiro de Prata” (55min)
Convidados: Álvaro Rosa e Mathias Pinto

23/03 – Sexta-feira

19h – Filmes: “100 anos de música” (episódio de 25min) e “Mais uma Canção” (96min)
Convidados: Bebeto Alves e René Goya Filho

25/03 – Domingo

19h – Filmes: “100 anos de música” (episódio de 25min) e “Filme Sobre Um Bom Fim” (88min)

Convidados: Boca Migotto e Carlos Gerbase

Paulo César Teixeira