Gente da noite
Rua da Margem abre série sobre personagens que trabalham à noite com Renata e roberta, almas gêmeas que encantam a Cidade Baixa há mais de uma década
É difícil imaginar uma sem a outra – elas trabalham e moram juntas, compartilham gostos e opiniões sobre quase tudo e ainda por cima usam roupas de estilo semelhante. Para falar a verdade, é quase impossível, às vezes, saber quem é a Renata e quem é a Roberta.
Desde 2005, quando começaram a trabalhar como garçonetes do restaurante São Jorge e o Dragão, na Rua Sofia Veloso, as gêmeas Renata e Roberta Sobrosa ficaram conhecidas na Cidade Baixa pela simplicidade e o desembaraço do atendimento. De lá para cá, passaram por pubs emblemáticos do bairro noturno, como Zelig e Espaço Cultural 512, antes de fincar âncora no bar Pinacoteca, na Rua da República, onde estão hoje.
A confusão dos clientes é motivo de diversão. Quando confrontados com a imagem de uma ao lado da outra, é inevitável que manifestem espanto e curiosidade. Elas não se impacientam nem um pouco:
— A vida toda foi assim. Quem vê pela primeira vez acha que é a mesma pessoa, diz Renata.
Acontece de uma fingir que é a outra, e não é de hoje. Bem pequenas, a professora pediu a Roberta que desenhasse no quadro-negro a posição dos ponteiros do relógio no horário de 2 e 20. Ao perceber o pânico da irmã, que não sabia a resposta, Renata se levantou da cadeira, desenhou o horário solicitado e ainda recebeu os parabéns indevidos, sem constrangimento.
— Mas, professora, a Roberta sou eu!, se entregou a outra gêmea.
Na rotina de trabalho, só usam o estratagema em caso de absoluta necessidade, por exemplo, para suavizar reações menos polidas de clientes alterados. Quando se dão conta de que estão dando bronca na pessoa errada, geralmente os mal-educados esquecem a brabeza.
Mas há momentos em que a confusão é inevitável. Num dos raros períodos em que não estavam trabalhando juntas, era comum o cliente ser atendido por Renata na Pinacoteca e mais tarde deparar com Roberta no 512, dois quarteirões adiante.
— Decerto o sujeito pensava que um túnel ligava um bar ao outro para que a garçonete pudesse chegar lá tão rápido, diverte-se Roberta.
As semelhanças abrangem também hábitos e costumes. Nenhuma das duas aprecia bebida alcoólica além da conta – no caso delas, a máxima de beber socialmente é a pura verdade.
— Talvez seja por isso que as coisas deem certo trabalhando na noite, arrisca Renata.
Clique na foto abaixo para ver imagens do acervo pessoal das gêmeas, entre elas, uma das raras em que aparecem com copos nas mãos. As outras fotografias mostram flagrantes no Zelig, onde trabalharam durante cinco anos, bar que foi quase uma segunda casa para elas, tanto que Renata até dava uma de DJ lá de vez em quando.
Nenhuma das duas tem planos de trabalhar de dia, ao menos por enquanto. Como em quase tudo, concordam que a labuta diurna é cansativa e sem graça.
— Gosto de viver a noite. O jeito das pessoas é mais divertido e agradável, opina Renata.
— À noite, as pessoas têm a cabeça mais aberta, são menos certinhas, assegura Roberta.
— Fora isso, eu não consigo acordar cedo. Aliás, não sei como as pessoas conseguem, acrescenta Renata, deixando escapar uma risada.
De fato, as irmãs despertam pontualmente depois do meio dia. E se o cansaço acumulado exigir, não se envergonham de esticar o sono até duas ou três da tarde. Só pulam da cama para alimentar os cachorros da casa – Jon Snow, maltês que muda o nome para João das Neves quando faz “arte”; Bob Dylan, cruza de yorkshire com vira-lata; e Edno, “vira-latão” preto que, segundo Renata, “tem até formiga no sangue”.
Para variar, também compartilham a paixão por cães. Tanto que, há seis anos, o apego aos bichinhos fez com que largassem a vida noturna para abrir uma pet shop. O negócio até deu certo, mas a noite tem um imã que atrai as gêmeas e elas foram recontratadas pela Pinacoteca. Há nove meses, Renata foi promovida a gerente e sentiu o peso da responsabilidade. Teve crises de ansiedade e chegou a pensar que estava com alguma doença grave.
— Queria que tudo desse certo, do meu jeito, mas não é assim a vida. Quando me dei conta disso, relaxei e recuperei o equilíbrio.
Renata planeja concluir o curso de Pedagogia. Roberta sonha estudar ilustração digital no Canadá. Nada disso atrapalha o projeto de abrir no futuro o próprio bar – juntas, é claro –, criando um espaço em que as pessoas possam jogar e assistir a campeonatos de videogame, até porque os jogos representam mais uma paixão em comum.
Afinal de contas, no que elas são diferentes? De repente, Roberta estala os dedos:
— Os namorados. Essa é a diferença! Renata gosta do estilo galã, bonitão. Eu prefiro o cara meio hippie, mais largado, alternativo.
Então, tá bem.