Um exercício de tolerância
Academia da Cidade Baixa se posiciona contra a homofobia e o racismo
A porta é a serventia da casa.
Sem meias palavras, a mensagem foi dada há cerca de dez dias por Athos Souza, gerente da academia RDM Fitness, na Cidade Baixa, num vídeo postado no Instagram e no Facebook. A manifestação sucedeu a um incidente registrado nas dependências da empresa, no qual um dos alunos se sentiu ofendido frente a comentários homofóbicos de um dos colegas de treinamento.
– A prioridade da RDM é assegurar um ambiente seguro e saudável para clientes e colaboradores. Não vamos tolerar qualquer tipo de preconceito de raça, gênero, orientação sexual ou religião, afirma Athos ao Rua da Margem. A seguir, reitera: – Quem não souber conviver em paz com pessoas que considera “diferentes” será convidado a se retirar.
Aparentemente sem maior gravidade, o comentário em sala de aula – que fez referência a uma suposta necessidade de “colocar no bom caminho” os homossexuais – se transformou em mote para que a academia adotasse uma posição clara e transparente a respeito do tema da diversidade.
– É uma questão de bons modos. É preciso saber se colocar no lugar do outro. Estou sempre atento também a qualquer forma de assédio ou desrespeito de caráter machista em relação às mulheres que frequentam a academia. Aqui não vai rolar, acentua Athos.
Ele assegura que, embora a RDM seja uma companhia como qualquer outra, que busca rentabilidade, o lucro não é um valor acima de “questões humanas”.
– Talvez possamos perder algumas mensalidades em função disso, mas, sinceramente, clientes que não sabem se comportar não interessam à academia.
O quadro de colaboradores reflete o posicionamento da empresa.
Pela manhã, um dos rapazes que trabalha na recepção desenvolve em paralelo atuação artística como drag queen. À tarde, as tarefas de limpeza ficam por conta de um jovem que, atualmente, está realizando a travessia para a transformação de gênero.
Aos 28 anos de idade, o próprio Athos é transexual, já tendo concluído a fase de transição de gênero.
Atualmente, a unidade da RDM na Cidade Baixa conta com cerca de 750 alunos.
A quase totalidade é de moradores do próprio bairro, reconhecido na capital gaúcha como símbolo da busca de uma convivência mais humana, tolerante e inclusiva – não por acaso, abrigou historicamente uma população pobre formada por descendentes de escravos.
Não é a primeira vez que a questão de gênero e sexualidade causa polêmica na academia. Na semana que antecedeu a Parada Livre de Porto Alegre (principal evento da comunidade LGBT do RS), no ano passado, a bandeira do arco-íris foi hasteada na porta da RDM.
A maioria dos frequentadores não mostrou resistência, mas alguns alunos revelaram contrariedade, alegando que a iniciativa agredia suas convicções morais. Athos relata que, na ocasião, respondeu:
– Quando a gente apanha nas ruas, vocês não lastimam. Agora estão com medo de apanhar de uma bandeira? Fiquem tranquilos, isso não vai acontecer.
A preocupação de abrir as portas da RDM para públicos diversificados abrange também pessoas com necessidades especiais.
Recentemente, um cadeirante visitou a academia para verificar as condições de ali praticar musculação. Naquele dia, Athos se deu conta de que a posição da catraca que dá acesso à academia não favorece a passagem de indivíduos com dificuldades de locomoção.
– Vamos corrigir essa falha. É o que sempre digo: a RDM precisa ser um ambiente de saúde para todos, sem distinção.
O aluno envolvido no incidente que motivou a gravação do vídeo consentiu em falar para Rua da Margem, desde que não tivesse o nome identificado, alegando motivos de segurança. Ele conta que, poucos dias atrás, o namorado foi ameaçado de agressão física numa parada de ônibus “por estar de pernas cruzadas”.
– Estamos vivendo um momento em que se expor como LGBT é bem difícil, enfatiza. Então, complementa: – Nunca imaginei que ia sentir medo a cada vez que pusesse os pés na rua.
Ele frequenta a RDM desde 2013 em função da política de segurança adotada pela empresa.
– Já tentei outros lugares e me senti muito desconfortável, completa.
A atitude assumida pela RDM não é isolada.
Uma loja de grifes sofisticadas, localizada na Rua da Consolação, no bairro Jardins, em São Paulo, colou um adesivo na porta com a seguinte frase: “Se você é racista, sexista ou homofóbico, por favor não entre!”.
A casa hospeda duas marcas de artigos de moda feitos à mão – A Figurinista, da estilista Teka Brajovic, de brincos, pulseiras e cintos, e Studio Dani Cury, da designer Dani Cury, que produz calçados.
Em meio às polêmicas acaloradas da última campanha para a Presidência da República, a imagem da fachada da loja ganhou as redes sociais, como se a frase tivesse sido afixada há pouco tempo, por motivação político/partidária.
– Na verdade, está lá desde setembro de 2017. Na época, notamos que havia estabelecimentos de pequeno porte ao redor do mundo, semelhantes ao nosso, que consideravam muito necessário manifestar seus valores. Fizemos, então, a nossa versão desse movimento, incentivadas pelo crescente número de casos de racismo, homofobia e misoginia em nosso entorno, esclarece Teka Brajovic.
No clima conturbado da campanha eleitoral, a frase se tornou alvo de elogios e críticas veementes e até motivou debates acadêmico em universidades de SP.
– Seja como for, para nós, a questão nunca foi de ordem política, e sim ética: queremos deixar claro que no nosso pequeno universo não existe espaço para pessoas intolerantes, conclui a estilista.