Para sair do lugar comum
Profana celebra a moda com inspiração e originalidade
Se a moda é uma forma de expressão, a escolha da roupa é, antes de tudo, um exercício de liberdade.
No caso da Profana, marca de moda feminina que abrange duas lojas – na Rua Lima e Silva, na Cidade Baixa, e na Galeria Chaves, no Centro Histórico –, além de confecção própria, a busca é por um modo autêntico de se vestir, fora de padrões massificados.
– Por que Profana? Para sair do lugar comum, explica Simone Moro, quando indagada a respeito da ideia que inspirou a loja que abriu há 18 anos. Em seguida, ela acrescenta: – Eu acredito que as roupas carregam uma emoção, sabe?
Emoção que está presente no momento em que são selecionadas as peças de vestuário junto aos fornecedores ou quando se definem os moldes e as estampas das roupas confeccionadas pela marca. Emoção de quem recorta e costura os panos e também das moças que mostram vestidos, saias e casacos já prontos às clientes.
– Estou certa de que a pessoa que entra na minha loja sente isso, complementa ela.
Outro atributo essencial é a cor – aliás, é praticamente impossível achar uma peça cinza ou preta nas vitrines, cabides e araras. Não é coincidência: o conceito estético da Profana é o de que roupas coloridas celebram a vida.
– A gente brinca que o nosso pretinho básico é uma estampa um pouquinho mais discreta, nem por isso menos colorida, brinca Simone.
CORCELZINHO BRANCO
Para quem não sabe, a história da Profana teve início justamente na casa onde está abrigada a loja da Rua Lima e Silva, só que bem antes de 27 de novembro de 2000, data em que o estabelecimento comercial abriu suas portas.
Simone tinha dois anos de idade quando veio morar no sobrado com os pais, Lino e Daizi – mais tarde, nasceu Liane, a irmã caçula.
Por muito tempo, a mãe teve uma loja de roupas no prédio ao lado, que alternou nomes como Pequena Boutique e Essência Urbana.
Já Lino era dono de uma garagem e oficina de automóveis a três quarteirões de distância, na esquina da Lima e Silva com a Rua Joaquim Nabuco, em frente à calçada hoje ocupada pelo Consulado do Café.
Tempos bem mais amenos, é claro. Na infância, a porta de casa não ficava trancada quando Simone e Liane brincavam na calçada com as outras crianças da vizinhança.
Por falar em vizinhos, onde agora se localiza o Zaffari funcionava o posto comercial da Coban – cooperativa dos bancários –, que atendia não só aos associados, mas ao público em geral.
– Era o supermercado que a gente ia, lembra Simone.
Entre a Coban e a casa de Simone, ficava a Unidos, revenda Volkswagen do italiano naturalizado brasileiro Francisco Luiz Ruga – atualmente, a sede da empresa se situa na Avenida Ipiranga.
O prédio da concessionária ainda se transformou em danceteria no começo do século 21 antes de vir abaixo para dar lugar a um empreendimento imobiliário gigante, que se encontra em fase de construção.
Desde cedo, apesar de um pouco envergonhada, Simone mostrou aptidão para vender peças bonitas. No colégio, a bolsa ia apinhada de alpargatas bordadas por um amigo, que ela levava para oferecer às colegas.
Como se não bastasse, já saindo da adolescência, a filha mais velha de Daizi improvisou um ateliê de costura no pátio, junto à churrasqueira.
– Ela chegava da escola ou de uma balada e ia para o quintal. Ficava lá desenhando e recortando até de madrugada, conta a mãe.
Ao perceber a vocação da garota, Daizi passou a levá-la a tiracolo quando viajava para São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte para adquirir roupas junto a fornecedores. A mãe acredita que foi nesse período de viagens que a filha tenha se afeiçoado ao mundo da moda.
Simone fazia bazar na casa das amigas ou convidava-as para reuniões no sobrado para vender as roupas que produzia. Depois, passou a participar de feiras em locais como o Gasômetro e o cais do porto, no Centro da cidade.
– Ela enchia o Corcelzinho branco de araras e roupas e lá se ia, recorda Daizi.
Quando o lote de roupas feitas em casa ganhou volume e acabamento, ela criou coragem para participar de feiras maiores, como a Mercado Mundo Mix e a Mix Bazar.
Mas, ao contrário do que possa parecer, a guria demorou um tempinho até achar o rumo certo.
Indecisa quanto à profissão que iria abraçar, fez vestibular para Administração de Empresas, na Unisinos, e para Ciências Sociais, na UFRGS, cursos que – ela reconhece – poucas afinidades têm entre si.
Ciências Sociais largou logo em seguida, mas Administração de Empresas até deu a impressão de que iria guiar sua trajetória profissional.
Ela chegou a trabalhar em banco e numa empresa de comércio exterior, de tão compenetrada que estava no papel de futura administradora, só que não deu continuidade à carreira.
– Eu era meio atrapalhada, conta ela, rindo.
Menos mal que dava para ganhar uns trocados como atendente em bares da Cidade Baixa, como o Ritrovo, na Rua da República, que pertencia à irmã Liane.
Até o dia em que a mãe propôs que ela ficasse com o ponto da lojinha no prédio vizinho. Afinal, depois de tantos anos, Daizi já estava cansada do dia-a-dia como comerciante.
De sua parte, Simone também andava desanimada com a indefinição de sua vida profissional.
– Eu me cobrava uma decisão sobre o que fazer da vida. Pensei: “Este é o momento”.
De posse da loja, a primeira medida foi alterar o nome. A escolha não foi difícil – desde o período em que vendia as roupas produzidas no pátio de casa, já havia adotado a marca Profana.
ESTAMPAS DE FRIDA KAHLO
De lá para cá, a Profana se transformou num ponto de referência da moda feminina em Porto Alegre, graças à qualidade e ao bom gosto das peças.
A aquisição de estoque tem como principal critério a intuição apurada da dona da loja:
– O trabalho de compra junto aos fornecedores é exaustivo. Eu olho cada peça com atenção e só compro o que gosto. Ainda que a roupa não seja exatamente aquela que eu própria usaria, ela precisa estar bem perto disso, observa Simone.
Apesar de trabalhar com os mesmos fornecedores há tempos, nada a obriga a comprar os lançamentos mais recentes ofertados por eles, muito menos em grande quantidade.
Pelo contrário, embora não se possa dizer que a Profana trabalhe com peças únicas, é quase como se fosse – as compras obedecem a uma estratégia direcionada com volume reduzido de itens para cada modelo.
– Tu não vais encontrar mais de duas ou três blusas iguais a esta, diz Simone, apontando para a roupa que ela está vestindo.
As viagens constantes para a atualização de estoque permitem que, em média, a cada cinco dias, uma nova peça seja exposta nas vitrines.
Desde 2015, a Profana conta com mais uma loja na Galeria Chaves, prédio histórico na área central de Porto Alegre, obra do arquiteto e escultor Fernando Corona, inaugurada em 1936.
Não há grande variação entre os públicos que frequentam os dois pontos comerciais.
O perfil de clientes abarca desde octogenárias – uma das senhoras serviu, inclusive, de modelo numa postagem recente da loja no Instagram, com um vestido enfeitado com estampas de Frida Kahlo – até adolescentes, filhas de clientes que acompanham a Profana desde o começo.
– Outro dia, veio aqui uma garota que costumava aparecer com a mãe quando era pequenininha. Não é que ela passou em Medicina?
Hoje, a Profana conta com oito colaboradores, incluindo as áreas de atendimento, gerência administrativa e coordenação de confecção.
– Todos os que trabalham e trabalharam comigo deixaram um pouco de si na loja e sou muito grata por isso. Eles carregam a marca no coração, destaca a dona da Profana.
VOLTA PARA CASA
Em 2012, a mudança para o sobrado onde Simone tinha passado a primeira etapa de sua vida desafogou a rotina operacional da loja.
Durante 12 anos, as vestes foram guardadas e etiquetadas na casa da proprietária, uma vez que não havia espaço para isso no ponto comercial, o que a obrigava a constantes deslocamentos de mercadorias. Uma canseira.
Além disso, a mudança permitiu também que fosse retomada a produção de confecções da Profana:
– Até ali, a oferta de roupas com a marca na loja era insignificante – não havia espaço, nem estrutura para isso.
Atualmente, cerca de 30% das roupas oferecidas às clientes da loja são concebidas – literalmente – dentro de casa, mais precisamente, no segundo piso da edificação, por Simone e sua equipe de confecção.
O processo de produção é complementado com o trabalho de costureiras que, embora não sejam exclusivas, mantêm vínculo estreito com a marca.
De um lado, esse relacionamento próximo assegura uma qualidade quase artesanal às peças.
– Elas não têm 500 roupas para produzir a cada dia, em escala industrial. Primeiro, costuram uma, depois a outra, e assim por diante, sublinha Simone.
De outra parte, propicia que a marca ajude a dar sustentabilidade a uma cadeia de empreendedorismo que gera trabalho e renda.
Fora isso, a reocupação do sobrado na Lima e Silva reavivou antigas lembranças.
Lá atrás, na hora em que resolveu sair de casa para construir sua vida, ela tinha escolhido levar consigo um vaso com pau d’água – planta também conhecida como dracena de Vênus –, que a acompanhou por todos os outros lugares que lhe serviram de lar ao longo do tempo.
Ao retomar o imóvel para ali instalar a loja da Profana, trouxe outra muda de pau d’água, que posicionou mais ou menos no mesmo local do pátio em que estava a plantinha original.
Assim, transformar a casa da infância na loja de moda feminina se constituiu também numa forma de resgatar a memória afetiva.
As recordações, aliás, se espalham pelos cômodos. A sala de confecção dos moldes, por exemplo, ocupa o antigo quarto de dormir de Simone e Liane.
– Quando os amigos de adolescência entram na loja, logo eles se lembram da sala de estar que existia aqui, comenta ela. A seguir, complementa: – Cuido da casa com carinho. Que bom que consegui preservar as lembranças boas que ela guarda.