O Bar da Carla foi fundado num 20 de novembro, data instituída por lei mais de duas décadas depois como Dia da Consciência Negra por coincidir com a da morte do herói da resistência à escravidão, Zumbi dos Palmares, registrada em 1695. Mas não é só essa a razão que faz com o boteco seja uma das principais referências da cultura negra em Porto Alegre.
Aliás, é bem provável que a data de inauguração tenha sido obra de entidades divinas, as quais se aproveitaram de alguma distração da burocracia para arquitetar essa feliz coincidência. Mais simbólico é que o bar localizado na Rua Lobo da Costa, 24, situa-se na confluência de territórios negros que marcaram a história da capital gaúcha.
Ancorado na região da antiga Ilhota – um conjunto de favelas que se espalhava da Praça Garibaldi à Avenida Ipiranga até ser removido ao final da década de 1960 –, o boteco não fica distante de espaços privilegiados de cultura e entretenimento dos descendentes de escravos no século XX, como o clube “Nós, os Democratas” (que no passado ocupava o terreno da Metroplan) e o bar Luanda (colado à Igreja Sagrada Família).
Como se não bastasse, também se encontra próximo a referências atuais como os Quilombos Fidelix e do Areal da Baronesa. Só que nada disso faria sentido se as marcas no tempo e no espaço não estivessem acompanhadas da consciência aguda e afiada da proprietária do botequim acerca da realidade que a cerca:
— Quem nasce preta e pobre num país como esse não pode fingir que as coisas estão correndo às mil maravilhas, diz Carla Maria Rodrigues Soares, a Carla do bar.
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