A História e os sonhos sob escombros
Documentário vai mostrar apogeu e declínio do Instituto de Educação, primeira escola de formação de professores do Rs, que se encontra em ruínas e passa por processo de restauração
A história de uma das mais tradicionais escolas públicas gaúchas vai virar filme em 2020.
Uma equipe de ex-alunos está produzindo documentário que mostra o apogeu e o declínio do Instituto de Educação General Flores da Cunha, a mais antiga instituição de formação de educadores do Rio Grande do Sul, que completou 150 anos em abril de 2019.
Desde 2016, as aulas estão suspensas no edifício-sede situado na Avenida Osvaldo Aranha, junto ao Parque da Redenção, que se encontra bastante deteriorado e passa por conturbado processo de restauração. Atualmente, as obras estão paralisadas devido à falta de recursos, com a promessa do governo do Estado de retomá-las a partir de janeiro de 2020.
O prédio do Instituto de Educação foi tombado pela Prefeitura de Porto Alegre em 1997. Quase dez anos depois, a própria escola foi reconhecida como patrimônio estadual e teve seu tombamento publicado no Diário Oficial.
— A ideia é resgatar a importância histórica do Instituto, mas também expor o descaso e o abandono, que determinaram o desmanche dos sonhos e da memória afetiva de várias gerações que passaram pela escola, diz o diretor e roteirista do curta-metragem IE: 150 Anos de Educação. Fredericco Restori, que estudou no colégio de 2012 a 2016.
No momento, o curta-metragem de 20 minutos de duração está em fase de pré-produção. Uma campanha de financiamento coletivo na plataforma do Catarse vai arrecadar até 21/12 deste ano a quantia de R$ 38.872,00, valor necessário para custear as despesas do projeto (clique aqui para apoiar). O objetivo é lançar o documentário em meados de 2020.
Além de Fredericco, participam da produção outros ex-alunos, como Natália Pimentel (direção de fotografia) e André Sittoni (desenho de som), além do roqueiro Frank Jorge, que assinará a trilha sonora, e Matheus Thorne Póvoas, responsável pelas ilustrações.
Em 2016, ano marcado por uma onda de ocupações nas escolas públicas em todo o Brasil, Fredericco e seus amigos filmaram com câmera de celular os atos de protesto no Instituto de Educação. Parte do material deverá ser utilizado no documentário.
— Durante muito tempo, o Instituto de Educação foi uma escola de excelência, que serviu de modelo e passou conhecimentos para as demais instituições que formavam educadores no Estado, orgulha-se a ex-aluna Leida Müzell Brutschin, de 92 anos.
Ela ingressou no IE em 1939 e, depois de exercer o magistério e se tornar diretora de colégios públicos, passou a trabalhar como concursada no Ministério da Educação.
— Dediquei toda a minha vida à educação, afirma.
O sentimento de tristeza e perplexidade frente à atual situação do colégio é compartilhado por quase todos os que vivenciaram o período de apogeu da escola.
— Estamos assistindo a um desmonte físico, moral e emocional, que afeta todos nós, diz Vera Neusa Lopes, presidente da Associação de Ex-Alunos do Instituto de Educação, entidade criada em 1960 e que hoje conta com 130 integrantes.
inspiração neoclássica
Fundada em 1869, durante o Império, como Escola Normal da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, a instituição recebeu nomes como Colégio Distrital, Escola Complementar e Escola Normal de Porto Alegre até ganhar, em 1939, a denominação atual em homenagem ao general José Antônio Flores da Cunha, governador do RS entre 1930 a 1937.
Até março de 1937, o colégio funcionou na esquina das Ruas Duque de Caxias e Marechal Floriano, no Centro. Ainda que não estivesse pronto, o edifício da Osvaldo Aranha abrigou o Pavilhão Cultural da Exposição do Centenário Farroupilha, em 1935.
— O prédio da Osvaldo Aranha [projeto arquitetônico de inspiração neoclássica de Fernando Corona, espanhol radicado em Porto Alegre desde 1912] se transformou em referência na cidade pelo alto padrão de qualidade arquitetônica, relembra Vera Neusa.
Ela fala com conhecimento de causa. Vera ingressou no colégio em 1937, ano da inauguração do edifício idealizado por Corona, fazendo parte da primeira turma do jardim de infância da nova sede.
Além da relevância que adquiriu na formação de professores, o Instituto de Educação também ganhou destaque em ações culturais. Um exemplo é o orfeão, criado pela professora de música Dinah Néri Pereira, que hoje dá nome à escola anexa de ensino fundamental do IE, na Avenida José Bonifácio, do outro lado do Parque. Entre as alunas que passaram pelo coral, figura ninguém menos que Elis Regina, que mais tarde se transformaria numa das maiores intérpretes da música popular do País.
No YouTube, é possível ouvir a reprodução em áudio de um disco gravado pelo coral do Instituto de Educação sob a regência de Dinah na década de 1960. Clique aqui para escutar. A professora aparece também num vídeo de 6 segundos regendo o coral do Colégio Militar de Porto Alegre em 1964.
— Dinah era uma pessoa muito querida, sempre elétrica e atuante, Um metro e meio de pura energia, descreve Lourdes Mendes Leiva, vice-presidente da Associação de Ex-Alunos, que estudou no IE de 1953 a 1961.
Atualmente, o coral é constituído de 16 ex-alunas, algumas com idade acima de 90 anos, que ensaiam todas as sextas-feiras, sob a regência de Bernardo Jean Marie Varriale. Nos almoços mensais organizados pela Associação de Ex-Alunos, depois de Parabéns a Você em homenagem às aniversariantes do mês, é cantado religiosamente o hino do Instituto de Educação.
— Tem que ver a emoção. Até os garçons do restaurante já decoraram a letra, relata Lourdes, emocionada.
Uma oportunidade de assistir às apresentações do coral é a missa festiva que será realizada na Capela Nossa Senhora do Bom Fim, no sábado, dia 30/11, em homenagem aos alunos formados em 1969, 1959 e 1949 – portanto, há 50, 60 e 70 anos.
Em tempo: nesta segunda-feira 25/11, o Instituto de Educação será tema de seminário no Memorial do Legislativo (Duque de Caxias, 1029). A iniciativa da Comissão de Educação da Assembleia Legislativa terá a presença da historiadora e ex-aluna Regina Schneider, que vai reconstituir a trajetória da escola. Além disso, o projeto de restauração deverá ser apresentado pelos arquitetos Luana Piccoli Frasson e Fernando Sert, da Seção de Prédios do Patrimônio Histórico do Governo do RS.