Gente da noite
Com jeito simples e descolado, Dudu é mestre da noite. Difícil é achar um bar onde ele não tenha trabalhado na CB
Quem olha a figura com ares alternativos, que atende os clientes do bar I Love CB, nem desconfia que ali está um trabalhador experiente e calejado. Carlos Eduardo Caldeira Medronha, o Dudu, de 34 anos, atendendo em bares da Cidade Baixa desde 2002. Nem deu para sentir o tempo correr, mas metade da vida ele passou como operário da noite porto-alegrense.
É verdade que, na adolescência, exerceu o ofício de artesão. Aos 15 anos, já estava criando mochilas, cintos e bandanas de couro, que vendia no Brique da Redenção, junto com luminárias e bichinhos feitos com material comprado em ferro-velho.
— Chegava em casa e criava corujas e tartarugas, lembra Dudu, no começo de mais uma noite de labuta no I Love, que deverá se estender até o começo da madrugada.
A estreia como trabalhador noturno veio por meio de Ariel Corrêa, amigo de infância do bairro Menino Deus, onde se criou. E em grande estilo – afinal, o primeiro bar do currículo de Dudu foi o Ritrovo, um dos precursores dos botecos com mesas na calçada da Rua da República, a poucos passos da Lima e Silva.
Era um negócio em família – não fazia muito, o pai de Ariel, Nico Esteves, tinha transferido o controle do bar para a mãe do amigo de Dudu, Eliane Corrêa. Nico viria a ser dono de outros locais emblemáticos como o Chuchu Beleza, na Getúlio Vargas, e o Funilaria, na José do Patrocínio.
— Depois que entrei no Ritrovo, nunca mais saí da noite, diz Dudu.
De fato, o currículo é invejável – com carteira assinada ou como freelancer, ele passou pelo 8 e Meio, Pé Palito, Bahamas, Yang, Funilaria, Tapas, Entreato... Ufa, a lista é longa – de quebra, ainda serviu almoço no Ocidente por algum tempo. Difícil é apontar qual o bar relevante da CB que não contou com os préstimos do rapaz. Pena que tenha perdido o registro de boa parte da trajetória:
— Perdi a carteira de trabalho e precisei recomeçar do zero. Nela não aparecem os primeiros bares, conta, pesaroso.
Não espalha, mas na relação de bares em que Dudu trabalhou constam também casas de regiões chiques da cidade. Não que ele se envergonhe de ter batido ponto na Calçada da Fama, mas o perfil do público de lá não é o que está mais habituado.
— Quando ia fumar um cigarro no lado de fora, olhava os carros estacionados e ficava impressionado. Alguns eu nunca tinha visto na vida, comenta, ainda surpreso.
Por essas e outras, retornou à Cidade Baixa tão logo quanto pôde. Curiosamente, quando mais novo, o ritmo de vida nada tinha a ver com boemia. Saía uma vez ou outra com os amigos, e só aos fins de semana. Na época, preferia gastar o tempo praticando esportes como futebol e skate ou andando de bicicleta, meio de locomoção que ainda usa para ir trabalhar e voltar para a casa de madrugada.
A experiência da noite fez com que ele descobrisse novos territórios.
— Ao conhecer a galera boêmia da CB, aprendi muito sobre música {gosta de tudo um pouco, desde reggae a rock eletrônico, passando por samba e MPB) e cultura em geral, além de política. Lá no Menino Deus, não tinha muito disso. O pessoal não se ligava nesse tipo de informação.
Apesar do jeito simples e sem formalidades, Dudu é mestre da noite. Sabe controlar com leveza e segurança o andar das horas madrugada adentro. O lema que segue é ser educado, o que não significa que não saiba exatamente o que fazer quando algum cliente se altera:
— Essa é a vantagem da experiência. A gente aprende a lidar com os mais variados tipos de público. Ganha jogo de cintura para não se apavorar, caso aconteça algum tipo de imprevisto.
Ainda assim, dá vontade de abrir horizontes. No verão passado, arrumou a mochila e se mandou para a Praia do Rosa. Sabe como é, um geminiano volta e meia precisa de outros ares. Ficou quatro meses trabalhando como garçom no restaurante San Diego, da Pousada Fazenda Verde. Podem não acreditar, mas, à beira do mar, mudou a rotina.
O sol batia na lona da barraca mal apontava no horizonte, mas nem era isso que o fazia acordar cedo. O expediente no trampo ia das oito da matina até as seis da tarde. Ele não descarta nova temporada em Santa Catarina em 2020 para, quem sabe, no outono ir subindo devagar pelo litoral de SP, RJ e BA. Nada certo ainda.
Ainda mais que, recentemente, virou sócio minoritário do I Love CB, que tem a marca inconfundível de Letícia Silveira, fundadora do bar. Como quase todo mundo que trabalha na noite, Dudu sonha montar, no futuro, um boteco que reúna as qualidades de cada um dos locais que ajudou a construir.
— Um dia vou fazer o melhor bar de Porto Alegre, diz, rindo em seguida, como se reprovasse a audácia da frase que acabou de proferir.
Ele tem até um caderninho no qual vai anotando detalhes de bebida, comida e decoração que não poderão faltar, mas isso é segredo, como também não dá para adiantar os nomes que especula para a futura casa.
— Sabe como é, alguém pode copiar, justifica ele, pedindo licença para atender a freguesia que, a essa altura, já ocupa com alegria e intimidade o espaço aconchegante do I Love CB.