Temporada no Sul
Filho de Taiguara, Samora Potiguara reencontra raízes familiares no partenon e faz shows no circuito da CB
Filho de Taiguara, um dos compositores brasileiros mais destacados entre as décadas de 1960 e 1980, o carioca Samora Potiguara, de 37 anos, aproveita temporada na casa de parentes em Porto Alegre para mostrar seu trabalho musical nos bares da Cidade Baixa. Na sexta-feira, 18/10, por exemplo, ele fez show de voz e violão no bar Guernica, na Travessa dos Venezianos, 44, apresentando uma mistura original de MPB e soft rock e, claro, revisitando sucessos do pai.
Parte do repertório presentado no Guernica foi desenvolvida com a banda Os Barganhos, que Samora criou com amigos em 2015 e, no momento, está recolhendo material para a produção de seu primeiro álbum.
— O público vai escolher as músicas a partir da enquete que estamos fazendo nas redes sociais, informa ele.
Taiguara nasceu em Montevidéu, em 1945, durante uma temporada de shows na capital do Uruguai de seus pais, Ubirajara Silva, maestro e bandoneonista gaúcho descendente de índios charruas, e Olga Chalar, cantora de tango uruguaia de origem basca. Numa entrevista que concedeu em 1994, dois anos antes de morrer de câncer, ele contou:
— Eu quase nasci em Bueno Aires. Poderia ter sido em Porto Alegre, mas na passagem meus pais acabaram parando em Montevidéu e eu nasci lá. Mas logo voltei para Porto Alegre e aí começou minha infância gaúcha, disse Taiguara, que viveu no bairro Partenon até os quatro anos de idade, quando se transferiu com a família para o Rio de Janeiro, e, por isso, se considerava “cariúcho”.
O artista cresceu num ambiente extremamente musical. Além do convívio com os pais, tinha a proximidade do avô Graciliano Corrêa da Silva, músico que chegou a tocar com Noel Rosa e Carmen Miranda no Rio de Janeiro e era inventor de instrumentos – transformava, por exemplo, bandoneon em sanfona.
— Meu avô era afinador profissional e compositor não profissional, um rebelde que saía com um facão de um lado e o bandoneon de outro, afirmou Taiguara.
O pai de Samora apareceu na cena artística junto com Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, participando dos festivais de MPB na década de 1960. A princípio, chamou a atenção com canções românticas como Hoje e Universo no Teu Corpo, depois compôs hinos que exaltavam a ousadia de comportamento de sua geração a exemplo de Viagem e Geração 70, até assumir uma posição marcadamente política, em parte influenciada pela ligação com o líder comunista Luís Carlos Prestes, a quem dedicou a música O Cavaleiro da Esperança.
— Ele era muito amigo de Prestes, mas a verdade é que nunca se filiou ao Partido Comunista, esclarece Samora.
Taiguara é apontado como o compositor mais censurado durante o regime militar, período que se estendeu de 1964 a 1985, com 68 canções proibidas. Um exemplo é o disco Imyra, Tayra, Ipy, gravado em 1975 com arranjos de Hermeto Paschoal e regência de Wagner Tiso, além da participação de músicos do quilate de Jaques Morelenbaum, Toninho Horta e Novelli. O álbum ficou menos de 36 horas à disposição do público nas lojas, tendo sido recolhido das prateleiras pela policia por ordem da censura.
Clicando aqui, você assiste à parte de show gravado para a TV Bandeirantes, na década de 1980, em que Taiguara conta episódios envolvendo a luta para a liberação de suas músicas junto aos censores.
— Meu pai defendia princípios básicos de direitos humanos, que estão no lado esquerdo do peito. Se, por um lado, teve o caminho obstaculizado pela censura, por outro teve o trabalho engrandecido. Não fazia música para vender. Ele oferecia ideias, não produtos, diz Samora.
Além da presença paterna, o trabalho de Samora reflete também a influência da mãe, a escritora e educadora Eliane Potiguara, fundadora da Rede Grumin de Mulheres Indígenas. Ela se sobressaiu na ECO 92 ao lado de lideranças como Marcos Terena, transformando-se a seguir numa das mais respeitadas ativistas pela preservação da herança cultural dos povos originários do País.
Hospedado na casa de parentes como Gislaine e Gian Carlos Figueiró, primos de Taiguara, no Partenon, que ainda é reduto da família, Samora vem percorrendo o circuito da Cidade Baixa para cantar em locais como Espaço 900, Casa Rosa e Barulhinho Bom, além do Guernica. Há cerca de seis anos, ele já havia dado um tempo na capital gaúcha, ocasião em que se apresentou em bares como Espaço Cultural 512, Porto Carioca e Parangolé.
— Alguns deles, como Sierra Maestra, não existem mais, constata, surpreso com a natureza volúvel da vida noturna na capital gaúcha.
Embora resguarde a consciência crítica acerca do mundo em que vive, a exemplo da obra de Taiguara, as canções de Samora apontam para múltiplas referências, que incluem desde a universalidade do som dos Beatles até o estilo progressivo de The Alan Parsons Project, passando pelo rock alternativo de Pearl Jam e bandas brasileiras dos anos 1980 como Barão Vermelho, Legião Urbana e Ira!.
— Fora isso, tenho a pretensão de agregar à música que faço elementos percussivos do candombe uruguaio e de outros batuques originários da África sem perder a pegada pop. A meu ver, o rock nada mais é do que a evolução de um processo musical que tem início na cultura africana.
No Guernica, em meio a essa “miscelânea de estilos do pós-grunge”, como ele próprio define, Samora mostrou também as canções do pai para novas gerações. No set list, não faltou Como en Guernica, que Taiguara compôs nos anos 1970, e que foi executada em homenagem ao bar alternativo da Travessa dos Venezianos.