No balanço do suingue
Conversa de Rua entrevista Kau Azambuja, um dos principais nomes da música negra de Porto Alegre, no Milonga, na Travessa dos Venezianos
— Por incrível que pareça, muita gente que mora em São Paulo e no Rio de Janeiro acredita que não existem negros no Rio Grande do Sul. De certa forma, a cultura negra do Sul é desconhecida até para quem vive aqui. É como se fôssemos invisíveis.
A constatação é de Kau Azambuja, um dos principais nomes da música negra sulista (fez parte de bandas como Produto Nacional e Senzala), que vai participar do Conversa de Rua neste sábado, 19/agosto, no Milonga, bar da Travessa dos Venezianos, na Cidade Baixa.
A iniciativa é do Rua da Margem, com a mediação do jornalista Paulo César Teixeira, editor do portal. No bate-papo, Kau vai relembrar a sua trajetória de vida e arte e dar canjas musicais. A entrada é gratuita com contribuição espontânea.
Berço do samba-rock
Kau é cria do Partenon (onde vive até hoje), berço do suingue, a vertente do samba rock que apareceu na zona leste de Porto Alegre, ao final dos anos 1960.
É o bairro dos principais expoentes do movimento, que misturou o samba com a guitarra elétrica, ganhando visibilidade nacional, como Bedeu (nome artístico de Jorge Moacir da Silva), compositor de Menina Carolina (em parceria com Leleco), na voz de Bebeto e Seu Jorge, e Luís Vagner, o Guitarreiro, autor de Como?, canção eternizada por Paulo Diniz.
Juntos, Bedeu e Vagner criaram outro hit do samba rock, Saudades de Jackson do Pandeiro, gravado pelo Clube do Balanço.
A turma do suingue incluía ainda Delma Gonçalves, Alexandre Rodrigues, Nego Luiz, Mestre Cy, Leco do Pandeiro, Marco Faria e Paulo Romeu, entre tantos outros.
— O Partenon deu liga com a música. O Bedeu e o Vagner são os artistas mais conhecidos, mas tem muita gente boa lá até hoje. Quando comecei, a galera não tinha estúdio para gravar e cada um levava seu instrumento para tocar na casa de um e de outro. Era assim que funcionava — relata Kau.
Conforme Mateus Berger Kuschick, autor do livro Suingue, Samba-Rock e Balanço – Músicos, Desafios e Cenários, em depoimento ao site do Itaú Cultural, “o suingue, o samba rock e o balanço, em qualquer parte do Brasil em que se desenvolveram, tiveram como principais criadores membros das populações de baixa renda das grandes cidades do país, em especial, Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro”.
Nesse caldeirão apimentado de ritmos, ainda adolescente, Kau aprendeu os primeiros acordes do violão. Num belo dia, faltou um contrabaixista na banda de uns amigos e foi convidado para assumir o posto. Nunca antes tinha tocado contrabaixo, mas não ia perder a chance.
A banda era o Ark-Samba, que animava bailes de clubes como Teresópolis e Partenon Tênis Clube, além da Nós, os Democratas, sociedade histórica da comunidade negra de Porto Alegre. Além disso, se apresentava na quadra da escola de samba Bambas da Orgia, à época alojada no antigo campo do Força e Luz, na Rua Alcides Cruz, no bairro Rio Branco.
A ambição de executar músicas autorais fez com que Kau formasse uma banda à parte, junto com outros dois lintegrantes do Ark-Samba – o guitarrista Ludi Oliveira e o baterista Sílvio Oliveira (apesar do sobrenome em comum, não eram irmãos). A eles se juntaram depois o vocalista Paulo Dionísio e Jorge Cidade, que tocava um clarinete de madeira.
Papa do suingue
O ano era 1989, data de fundação da Produto Nacional, uma das principais referências da música reggae de Porto Alegre, com suas canções engajadas contra a discriminação social e racial. Entre elas, Esperança e A Mão do Justo (essa de autoria de Kau com Ludi), que tocaram bastante na Ipanema FM, nos anos 1990.
Algum tempo depois, Kau se integrou à Senzala, banda que se apresentava de 5ª a domingo na Casa Evolução, na Avenida Ipiranga, em frente ao Shopping Bourbon.
— Foi um lugar de referência da música negra em Porto Alegre. Por lá passou muita gente boa, como Carlos Medina, Paulão da Tinga, Jorginho do Trumpete e Serginho Trombone.
Além dessa turma da pesada, a Casa Evolução era também frequentada pelo papa do suingue, Bedeu, que aparecia para dar uma canja aos fins de semana. Numa dessas, Kau foi chamado para acompanhá-lo no contrabaixo e no backing vocal em apresentações em teatros e clubes.
Atualmente, Kau se dedica ao projeto Nego d’Cabeça, banda de suingue, samba, jazz e funk, na qual é responsável pelos vocais e as harmonias (Rodrigo Antunes no contrabaixo e Leandro Aragão na bateria completam o trio).
Em 2012, o grupo gravou quatro singles no estúdio do contrabaixista Arthur Maia (que acompanhou Gilberto Gil e Djavan, entre outros grandes nomes da MPB), na Praia de Piratininga, em Niterói (RJ). Assim, uma das canções, está disponível no YouTube.
— É um trabalho de músicas autorais. A coisa está fluindo — diz Kau.
Neste sábado, no Conversa de Rua, Kau vai apresentar antigas e novas canções, provando que a música negra está mais viva do que nunca em Porto Alegre. Além disso, vai também mostrar a diferença entre a levada do suingue e a do samba rock paulista e carioca, dedilhando a sua guitarra, com a maestria de sempre. Não perde!